domingo, 16 de maio de 2010

Morabeza caboverdiana

Antes de chegar a Cabo Verde já ouvia falar da sua morabeza… Mas o que é isso da morabeza? Já perguntei a todo o tipo de pessoas, da terra ou não, e não existe uma explicação concreta. Acho que cada um a sente e define à sua maneira… Para mim, morabeza é sorriso. Aquele sorriso com que fui recebida ao chegar, aquele sorriso que todos os dias (sem nunca falhar) me “acorda”, aquele sorriso que qualquer desconhecido me dirige, aquele sorriso que caracteriza uma criança, puro e natural!
Acho que um pouco por toda a África ele existe… no local mais distante, improvável e escondido em todos os momentos que por cá vivemos.

Dizem que Cabo Verde tem uma cultura, que nasceu da fusão entre a Africanidade e a Portugalidade – designada comummente por Caboverdianidade. Se há alguma coisa em Cabo Verde que pertença a Portugal, será concerteza ao Portugal de há 50 anos, que eu não conheci… O Cabo Verde do século XXI, apesar de querer ser o país mais europeu de África, continua a ser um país de tradições e modos de vida particulares. E que bom que assim é! É tão grandioso sentir que as pessoas são ligadas à sua raiz, que vivem em função de algo que caracteriza a sua terra, que conseguem manter essa morabeza mesmo quando todo o Mundo se dedicou à tecnologia e ao progresso. Confesso que qualquer menina da cidade (como a que escreve estas palavras) se sente fragilizada por tanta naturalidade e tão poucos traços de civilização… mas é tão mais fácil aqui criar, manter e prolongar as relações humanas e com a Natureza.

E há tanta coisa para saborear… Quando digo “saborear” refiro-me, claro, à culinária caboverdiana, cheia de sabores e com uma cultura de cozinha difícil de recriar! Mas também a outros aspectos culturais que fazem deste conjunto de ilhas, um pedaço de terra muito singular.

A cor… a cor da pele, diferente a cada pessoa que se observa: uns mais claros (mestiços) outros mais escuros (manjacos). A cor das casas… numa parte da cidade, cinzentas, semi-construídas e a crescerem em bairros clandestinos, sem qualquer opção de espaço e localização; na zona central, coloridas e “colocadas” lado-a-lado, como se de uma caixa de lápis de cor se tratasse. A cor do mar, de um azul transparente, que se mistura com o castanho dos caminhos do litoral e com o verde da imensa vegetação do interior montanhoso. A cor das missangas colocadas, qual obra de arte, nos cabelos das meninas, em combinação com as variadas cores dos trajes das senhoras mais velhas, quase sempre adornadas ainda com um qualquer objecto que transportam à cabeça.

A língua… um crioulo falado como se quer e entendido como se pode… A música… sentida ao sabor do seu próprio ritmo – mais calmo no kizomba e no zouk, muito mais balançado no funaná, na tabanka, na coladera ou no batuco. As festas populares/religiosas sempre regadas a bom grogue (bebida di terra, produzida na região) e alimentadas por deliciosos petiscos que as generosas senhoras se dedicam a cozinhar e a vender por um preço simbólico. Tanta coisa, tanta vida para contar…

Numa terra onde não há bicicletas e onde o comboio nunca passou… um arquipélago com 10 ilhas a desbravar… há algo que no meio de tudo isso qualquer um irá guardar para sempre – a morabeza caboverdiana.


“Se é pam vivê na es mal (Se é para viver neste mal)
De ca tem (De não ter)
Quem que q’rem (Quem eu quero)
Ma’n q’re morre sem luz (Então quero morrer sem luz)
Na nha cruz (Na minha cruz)
Na es dor (Nesta dor)
Dê da nha bida (De dar a minha vida)
Na martírio de amor!” (Ao martírio de amor!)
[texto retirado da nota de 2000$]

By MJ in Visão Contacto

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